UMA EXPERIÊNCIA DE REVOLUÇÃO MOLECULAR
EM PATY DO ALFERES – RELATO DE UM CASO
Mônica Nogueira da SILVA1
RESUMO
A autora apresenta um relato de uma dinâmica com base na filosofia da Revolução
Molecular de Félix Guatarri numa instituição educacional no interior do Brasil na
cidade de Paty do Alferes localizada no Estado do Rio de Janeiro. O trabalho mostra
como a pratica foi aplicada num grupo de 30 “crianças problema” Apresenta resultados
surpreendentes quando o dispositivo terapêutico transfere-se do hospital para a escola.
Ao mesmo tempo mostra como é possível aplicar as idéias filosóficas de Gilles Deleuze
e Felix Guattari a partir de um não saber de ambas as partes, terapeuta e criança, pode
promover o DEVIR MESTRE.
RESUMÉ
L'auteur présente un compte d'une dynamique en se basant sur la philosophie de la
Révolution Moléculaire de Felix Guatarri dans une institution éducative dans l'intérieur
de Brésil dans la ville de Paty du Alferes a localisé dans l'Etat du Rio de Janeiro. Le
travail montre comme il pratique a été appliqué dans un groupe de 30 “enfant problème”
les Il presente des résultats quand l'appareil thérapeutique se transfère de l'hôpital pour
l'école. Montre en même temps comme est possible appliquer les idées philosophiques
de Gilles Deleuze et de Felix Guattari d'un ne sait pas des deux la partie, le thérapeute et
l’ enfant, peut promouvoir le DEVENIR MAÎTRE.
Introdução
Como evitar que as crianças se prendam às semióticas dominantes a ponto de perder
muito cedo toda e qualquer verdadeira liberdade de expressão? Sua modelagem pelo
mundo adulto parece efetuar-se, de fato, em fases cada vez mais precoces de seu
desenvolvimento, especialmente por meio de televisão e dos jogos educativos. Uma
das contradições internas dos empreendimentos “escola nova” reside no fato de que
elas limitam muito frequentemente suas intervenções a nível das técnicas da
11 Psicóloga Esquizoanalista da Secretaria de Saúde do Município de Paty do Alferes
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aquisição da linguagem, da escrita, do desenho, etc... sem intervir no motor dessa
modelagem cujas técnicas não são senão um dos agentes. Um empreendimento
educacional não poderia circunscrever de modo válido seu campo a questões de
técnica, de aprendizagem ou de socialização. Ele coloca de imediato toda uma série
de problemas micropolíticos. (Guattari, 1985, p.50)
Deleuze dizia que não dava aulas sobre aquilo que sabia, mas sobre aquilo que
procurava. Isto é devir-mestre: nenhum dogmatismo.
A educação, portanto, não pode se limitar a reproduzir crenças e sujeitar o
espírito a condições formais previamente estabelecidas, ou seja, produzir conformismos
e reprodutores de opinião, fazer das concessões espúrias e cotidianas regras do agir,
produzir e incutir o ressentimento e a má consciência. Assim, a revolução molecular
significa o atrevimento de singularizar, romper com as condições previamente
estabelecidas que encobrem e sujeitam a vida, que impedem a emergência do novo e
onde uma nova subjetividade possa surgir. “O inconsciente é uma produção de
subjetividades paralelas contemporâneas e não lineares” - Félix Guattari. A tarefa que a
vida nos coloca é encontrar linhas de fuga que levem a outros lugares, aumentar a sua
potência de agir, afetar-se de alegria, não aceitar que lhe cole a pele a máscara social de
jeito nenhum. Permitir novas formas de afetividade e de composição de vida, onde o
que está em jogo são os devires e suas mais variadas expressões.
Justificativa
Justificar teoricamente um trabalho sobre a filosofia da revolução molecular
consiste em falar de sua importância prática. Que novos modos de conhecer o mundo
podem suscitar a perspectiva do “Revolução Molecular”? 1 Não seria a revolução
molecular uma pedagogia libertária?
Objetivo
O objetivo desse trabalho é o de relatar e apresentar uma experiência em curso
da prática esquizoanalítica numa cidade do interior do Brasil.
Relato de caso
Sendo chamada para exercer a profissão de psicóloga no município de Paty do
Alferes, qual foi a minha surpresa ao ser colocada para trabalhar na educação... Foi me
solicitado trabalhar numa instituição católica que é ao mesmo tempo escola, semi-
internato e internato das mais diferentes crianças. O motivo principal seria fazer um
trabalho com crianças abusadas sexualmente e que foram retiradas das suas famílias
pela justiça e encontram-se hoje abrigadas nesta instituição sem que nenhum
atendimento específico lhes seja oferecido. A queixa principal das irmãs é que têm um
número grande de crianças extremamente agressivas, com déficit de atenção e
hiperatividade, precisam desesperadamente de ajuda pois não sabem como lidar com
estas crianças e têm certeza que elas precisam de algum tipo de tratamento
psicológico.A escola era uma escola tradicional onde crianças ricas e pobres conviviam
até que crianças em situações de risco passaram a ser encaminhadas para lá.
O fracasso escolar produz uma série de sintomas e achei que seria muito difícil
precisar como já começava Deleuze e Guattari no seu maravilhoso Anti-Édipo: “Quem
é primeiro, a galinha ou o ovo? Mas também, o pai e a mãe ou a criança?” (Deleuze,
Guattari, 1976). Seria o trauma provocado pelos adultos (tarados, alcoólatras, fascistas,
etc) que os transformara em rebeldes fracassados ou seria necessário olhar para elas sem
rotulá-las pois por incrível que pareça os mesmos sintomas aparecem em crianças que
não passaram por nada disso.Assim,ao invés de atender a primeira demanda a saber de
tratamento,resolvi pensar a escola e não o hospital como dispositivo de cura,ou lugar
terapêutico onde todas as atividades podem ser terapêuticas mas ninguém faz terapia.
Pensando em tudo que aprendi na escola de Bonneiul-Sur-Marne com a equipe
coordenada por Maud Mannoni e sobre o desejo com Felix Guattari pesquisei algo que
as crianças (todas, com problema, sem problema,meninos e meninas) realmente
desejassem,amassem. Cheguei numa descoberta bastante simples e justamente foi a
simplicidade que tornou possível instalar um dispositivo onde linhas de fuga se abriram
deixando escapar uma quantidade enorme de energia que antes alimentava uma forma
de funcionamento destrutiva. Como dizia Mannoni nenhuma atividade pode ser
ocupacional, sempre tem que haver uma produção real reconhecida no exterior, por um
público de verdade. Foi assim que surgiu a “Oficina de Pipa”, recebida com alegria e
que fez sorrir o mais triste dos meninos este abusado pelo próprio pai juntamente com a
sua irmã de 3 aninhos. Inicialmente nos foram oferecidos apenas os piores e em dois
grupos um na parte da manhã e outro à tarde. O primeiro dia foi de loucura total. Sugeri
fazermos uma produção coletiva visando talvez a criar alguma identidade de grupo e
futuramente grupelho ou, como chamamos grupo sujeito.
Em meio de brigas, gritos e muita confusão produzem uma pipa que voou um
minuto, para cair e ser imediatamente destruída pelo grupo. Ma segunda oficina,
explicamos que nós não faríamos as pipas para eles, e sim, que eles é que produziriam
as pipas com nossa ajuda. A construção de uma pipa que é de material extremamente
barato (ela é vendida pronta por 50 centavos) exige muita atenção, habilidade manual e
muitos procedimentos exatos, senão ela não voa. Ai talvez esteja à chave que abre
inúmeras vias, concessões e mudanças de comportamentos, porque o sucesso do
empreendimento está diretamente ligado ao produto final, que é pipa no alto, brilhante,
chamando a atenção de todos, o que só acontece se ela for perfeita.
As primeiras pipas produzidas por eles nas duas oficinas não voavam. Apenas
com uma exceção, justamente a deste menino, que apesar de apático e sempre de casaco
foi o primeiro a conseguir todos os procedimentos e que depois também, teve paciência
no campo de futebol na hora de solta-la. Ele tentou, voltou, consertou acabamentos,
insistiu e quase no fim do tempo sua pipa voou, seu rosto se iluminou num sorriso e
todos os outros correram para ver o que ele havia conseguido. Na próxima oficina, ele
deixou que eu lhe tirasse o casaco, e preparou outra pipa, que dessa vez colocou seu
nome. Devido à fragilidade da pipa, além da delicadeza necessária a sua confecção, se
não se lidar com ela com cuidado, ela estraga, e assim, surgiu outra oficina dentro da
principal: “Oficina de conserto de pipas ”.
Aos poucos, mais pipas foram sendo confeccionadas com nomes, e guardadas
para o próximo dia. Tivemos então, um dia em que todos soltaram pipas, o que fez com
que uma das irmãs viesse me perguntar ansiosa: ”a senhora trabalha na sala ou no
campo de futebol? Nós temos crianças muito agressivas. Como podem estar no campo
sem ninguém vigiando?” Expliquei que a oficina era de fazer pipas para depois soltar-
las, e que naquele dia eles estavam soltando as pipas que eles haviam construído. Ela
insistiu: “Mas qual o seu objetivo com isso?“ Expliquei que estava trabalhando déficit
de atenção e socialização, e perguntei se ela havia reparado como eles haviam ficado
concentrados na produção das pipas. Ela aceitou desconfiada as minhas explicações,
afinal não ouve brigas nem problemas com eles no campo. Estabeleci uma regra: “É
proibido cruzar”. Cruzar na linguagem da pipa é cruzar a linha visando derrubar a pipa
do outro.
Outro movimento interessante que observamos foi o surgimento de mestres.
Ficou claro para mim ao observá-los que muitas pipas não subiam porque os donos não
sabiam empiná-las. Empinar pipa significa colocá-la no alto. Assim, aquele movimento
inicial de posse acirrada do que haviam feito, deu lugar a um movimento de cooperação.
“Olha essa pipa, é minha, mas dá pra você soltar pra mim que não consigo. “O discurso
passou a ser ”Olha lá como o P está soltando bem a minha pipa que o R está soltando”
Foi um dia em que todos ficamos suados, cansados e felizes, havíamos tido sucesso, o
campo estava colorido de pipas (os meninos se relacionando felizes e sem brigar. E
vitoriosos).
Os mestres em soltar pipa em nenhum momento se colocaram ou perceberam o
lugar de poder que eles poderiam ocupar afinal os outros também eram mestres, mestres
na confecção. Com o auxílio da oficina de concertos, o tempo rompeu com o tempo
convencional. Havia um movimento constante de ampliá-lo, na medida em que as pipas
não eram mais destruídas, sobrava muito mais tempo para usufruir o prazer de vê-las
voarem, remendadas ou não.
A hipótese com que trabalho baseia-se num dos conceitos criados pela escola de
Bonneuil-sur-marne, para lutar contra o fracasso escolar que tanta destruição faz à auto-
estima das crianças, bem como gera sintomas como agressividade, exclusão social,
apatia, inibição e angústia, etc. Na medida em que a criança tem seu interesse desperto
para algum tipo de habilidade específica (por exemplo, medir o tamanho do bambu,
cortar um quadrado, etc.) abre-se uma porta, por exemplo, para querer aprender
matemática. A capacidade de concentrar-se, prestar atenção nas instruções, porque
inicialmente era como se falássemos para portas fechadas, talvez possa permitir que eles
se concentrem nas salas de aula, afinal, pela primeira vez, ficaram de 30 a 40 minutos
presos a uma atividade.
Já existe em Paty do Alferes um evento anual de pipa, o que nos mostra que a
pipa faz parte do território existencial da população patiense.
Quando essas crianças conseguirem produzir suas próprias pipas perfeitas e
solta-las nunca mais elas serão as mesmas. Afinal, elas se tornaram sujeitos produtivos e
uma nova subjetividade tomou lugar do que eles já estavam predestinados a ser:
rebeldes fracassados.
Conclusão
Concluímos que com tantas modificações no comportamento das crianças em
tão curto espaço de tempo por um dispositivo simples e barato, sugerem que a hipótese
acima levantada, além de depender de uma observação futura em sala de aula, mostrou-
se bem eficaz na produção de estados maiores de concentração por parte das crianças
além de promover a convivência antes impossível entre eles.
BIBLIOGRAFIA
GUATTARI F. Revolução Molecular: Pulsações políticas do desejo – 2º. Ed. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1985. pg 50
DELEUZE, G, GUATTARI F. O anti-édipo 2º.Ed., Imago Editora Ltda Rio de
Janeiro1976
DELEUZE, G, GUATTARI, F. O que é filosofia? Ed.1º. Editora 34 Rio de Janeiro 1997
GUATTARI F. La revolution moleculaire. Paris: Editions Dominique Bedou, 1989.
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